A Fundação Getúlio Vargas (2001) adotando
como critério uma renda de R$ 60,00 per capita como definidor da Linha de
Pobreza, calcula que 35% da população brasileira vivem em extrema pobreza,
equivalendo 57,7 milhões de pessoas, sendo as Regiões Norte e Nordeste as de
maior concentração da pobreza extrema, abrigando 13,8 milhões de pessoas nessa
situação.
É neste cenário que surgem os programas
de transferência de renda. O presidente Fernando Henrique Cardoso lançou em seu
governo uma série de benefícios que visavam dar proteção social aos mais
pobres: vale alimentação, vale gás e bolsa escola.
Na oposição, Luis Inácio Lula da
Silva dizia que esse programa era humilhante, mantinha a dependência econômica
financeira e social. “Lamentavelmente uma grande parte da população brasileira
é conduzida a pensar pelo estômago e não pela cabeça, é por isso que se
distribui tanta esmola por que isso na verdade é uma peça de troca em época de
eleição. E assim você despolitiza o processo eleitoral, você trata o povo mais
pobre da mesma forma com que Cabral tratou os índios quando chegou ao Brasil”.
No entanto, Lula ao assumir a presidência
em 2003, implantou o Fome Zero, unificou os programas de FHC e transformou-os
no conhecido hoje “Bolsa Família”.
Possui três eixos principais: a
transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza; as
condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de
educação, saúde e assistência social; e as ações e programas complementares
objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam
superar a situação de vulnerabilidade.
Ocorre que nestes quase 12 anos de poder o PT focou apenas o primeiro
eixo. Dos iniciais 5 milhões de beneficiários do governo FHC, hoje, cerca de 45,8
milhões de pessoas recebem o benefício do Bolsa Família, algo em torno de 25%
da população brasileira. Garganteado como feito histórico!
Interessante é que o PT que questionou e denunciou essa forma de enganação,
hoje, vê a mascarada política de assistência social sob a ideia de que está
tirando as pessoas da miséria, como estratégia maior do seu projeto de permanência
no poder. Vide os esforços para reeleição de Dilma Rousseff.
Ninguém discute a importância de se distribuir renda, especialmente na
cruel situação de extrema pobreza em que boa parcela da sociedade ainda vive.
As pessoas precisam comer. Mas só comida? Ou a gente quer diversão e arte? Ou a
gente quer ser um cidadão? (música “Comida” dos Titãs).
A lógica incorporada pelos “companheiros” é manter a política de
dominação que é secular no Brasil. Como já cantava Luiz Gonzaga há mais de 60
anos passado: “uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia
o cidadão”. Lula cantava isso também, mas agora...
Tirando o prato de comida que chega à mesa de milhares de pessoas Brasil
afora, o que fica? O atual formato do Bolsa Família não emancipa, é preciso que
os beneficiários produzam sua própria renda, sem depender do poder público nem
correr o risco de retornar à miséria. Esta era a lógica do programa. Mas, o seu
terceiro eixo não foi levado a sério. O governo deveria estar promovendo ações
que permitissem aos beneficiários superar a
situação de vulnerabilidade. Onde o PT quer chegar com tanta dissimulação?
Frei Betto, ex-coordenador do Fome Zero – que deixou o governo Lula em
2004, por não concordar com os rumos da política petista na época – afirma que
o PT, ao manter o benefício do Bolsa Família por tempo indeterminado, garante a
fidelidade dos mais pobres que retribuem o benefício por meio do voto.
Qual a cultura que se pretende promover à sociedade? Dar migalhas?
Humilhar as pessoas? Depois discursar dizendo que foi o “pai” ou a “mãe” do
programa social que deu comida a quem tinha fome? A verdade é que o atual
governo não tem promovido a dignidade humana. A educação não tem sido
prioridade, nem tampouco a saúde. Somente se investe em programas sociais que
permitem a dependência.
Lamenta-se que o PT conduz de forma vil um importante programa social.
Usa-o de forma eleitoreira. Sim, eleitoreira! Pois o Bolsa Família é incompleto,
imperfeito, insuficiente e assistencialista. Perdeu-se o caráter emancipatório
da sua concepção inicial para o caráter compensatório, em função de um projeto
político, que não é a emancipação brasileira, mas a permanência no poder, na
medida em que esses beneficiários são aterrorizados a votar em candidatos
petistas sob pena de perder o benefício, é o que diz os pobres beneficiados:
“se for outro candidato (não petista) vai acabar o Bolsa Família”. Coitados!!!
A forma dissimulada de aprisionar o voto que tanto o PT combateu, está
fortalecida na ideia do Bolsa Família, que nada mais é do que uma forma
sofisticada de manter encabrestado um povo que não tem quem lhe defenda e que não
tem a menor ideia do que está por trás desta política perversa. Oh povo
maldoso! Alma e lama têm as mesmas letras, porém significados diferentes!!!
(*)
Fernando Gomes, sociólogo, eleitor, cidadão e contribuinte e parnaibano.