03/12/2014

Australiana de 11 anos luta na justiça por troca de sexo

Na Austrália, 30% dos jovens transgênero que não recebem tratamento tentam suicídio e 50% optam por auto-flagelação

A australiana Isabelle Langley quer garantir o direito de ser reconhecida como meninaFoto: ABC TV / Reprodução

Isabelle Langley é uma das crianças mais corajosas da Austrália. Aos onze anos de idade, ela encarou a família e os amigos e enfrenta a sociedade para garantir o direito de ser reconhecida como menina. Com uma maturidade surpreendente, Isabelle explica tranquilamente que nasceu no corpo errado. "Eu falei pra minha mãe que não queria ser um garoto, porque me sentia como menina. Estou cansada de viver neste corpo", declara.

A revelação aconteceu há 15 meses, quando Isabelle recém tinha completado 10 anos. "Ela me disse: ‘não gosto do meu corpo; não é certo eu estar nesse corpo’. Falei que era normal se sentir estranho, porque o corpo está crescendo, mas Isabelle foi enfática: ‘não, eu sinto que sou uma menina e estou no corpo errado", recorda a mãe Naomi McNamara.


Isabelle nasceu "Campbell" em 6 de junho de 2003 Foto: ABC TV / Reprodução

Isabelle nasceu "Campbell" em 6 de junho de 2003. Desde cedo, o garoto já demonstrava não se adaptar ao universo infantil masculino: brincava de bonecas e usava vestidos cor de rosa e roupinhas de fadas com asas. "Nunca gostei das coisas de garoto. Minha vida inteira preferi brinquedos de meninas. Tentei lutar contra isso por um tempo; tentei parar, mas não consegui", revela. O pai lembra bem dos tempos em que tinha um filho homem. "Adoro esportes, mas nunca consegui colocar Campbell nos esportes. Ele também nunca gostou de carrinhos. Chegava em casa e ia direto para caudas de sereias e vestidos de cinderela", relata Andrew Langley.

Os pais contam que a revelação do filho provocou um incompreensão inicial. "É uma montanha russa emocional. Meus primeiros pensamentos foram para Campbell, como ele ia lidar com isso e as barreiras sociais que iria enfrentar", diz Andrew. A mãe acrescenta: "achamos que ele era gay e já me imaginei segurando a bandeira do arco-íris. Seria ótimo! Mas quando realmente entendi do que se tratava, pensei: 'por que ele não poderia simplesmente ser gay?' Seria mais fácil, pensamos na época. Obviamente, são duas coisas completamente diferentes".

São duas coisas completamente diferentes porque Isabelle é uma criança transgênero. Na Austrália, assumir a homossexualidade é uma decisão estritamente pessoal, independente da idade, mas crianças e adolescentes transgênero precisam de sentença judicial para garantir o tratamento, que é fundamental para evitar o desenvolvimento de um corpo com o qual não se identificam. No caso de Isabelle, a medicação inclui hormônios para bloquear a mudança no tom da voz e o crescimento de pelos.


"Ela me disse: ‘não gosto do meu corpo; não é certo eu estar nesse corpo’", recorda a mãe Naomi McNamaraFoto: ABC TV / Reprodução

Os casos são mais comuns do que se pode imaginar. Em 2003, o Royal Children´s Hospital recebia uma criança transgênero por ano. Este ano, o número chegou a 100. "Esse fenômeno acontece em todo mundo ocidental, não porque há mais crianças nessa situação, mas porque elas estão buscando tratamento", revela a pediatra responsável pelo tratamento de Isabelle, Michelle Telfer.

Segundo a médica, o diagnóstico é complicado antes da puberdade porque o gênero pode ser "fluido". Conforme Michelle Telfer, as evidências mostram que, de todas as crianças que apresentam comportamento em desacordo com o sexo, apenas 25% vão se identificar como transgênero na adolescência. "Isabelle não está neste estágio, mas se ela ainda se identificar como mulher após a puberdade, saberemos que não é uma fase. São 99,5% de chances de que a identidade feminina vai persistir na vida adulta", informa a pediatra.

Por enquanto, a menina australiana está recebendo a primeira fase da medicação, que tem efeitos reversíveis. "Eu não sabia que havia tratamento pra minha condição. Procurei na internet e achei muitos sites explicando o que a gente pode fazer quando se sente como menina. Dizia que tem uma cirurgia especial, que quero fazer quando completar 18 anos. Quando for maior, posso fazer a operação de mudança de sexo, que vira o pênis de fora para dentro, transformando-o em uma vagina. Assim, eu vou poder usar mais roupas de meninas", antecipa com sua simplicidade infantil.

Além das questões sociais, Isabelle tem que enfrentar a barreira judicial para transformar seu sonho em realidade. Aos 16 anos, ela vai precisar ir aos tribunais para provar que é mentalmente capaz de tomar a decisão que vai mudar o resto de sua vida. Para receber a segunda fase do tratamento, que é irreversível, Isabelle precisa da aprovação de um juiz. Famílias de crianças transgênero e médicos se opõem à legislação porque o custo do processo é alto, o que poderia impedir meninos e meninas de receberem tratamento no tempo apropriado.

Independente disso, os pais de Isabelle vão fazer o que for necessário para assegurar o futuro da menina. Na Austrália, 30% dos jovens transgênero que não recebem tratamento tentam suicídio e 50% optam por auto-flagelação. "Quando vi as estatísticas, pensei: 'tenho uma criança feliz. Isso não vai acontecer, porque vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para que ela tenha felicidade e uma vida longa'", relatou Andrew Langley.

Certo dia, Isabelle chegou em casa aos prantos. A menina chorava e dizia que não existia futuro para uma pessoa como ela. "Naquele momento, acabou minha confusão e entendi que nosso trabalho, como pais, é ajudá-la a criar um futuro com o qual possa viver", analisou a mãe. "Se eu não tivesse pais me apoiando, provavelmente já teria fugido ou me matado", revela a criança.

Apesar do bullying na escola, a menina assumiu sua identidade: usa roupas femininas, deixou o cabelo crescer e escreveu uma carta para os 200 colegas do colégio. "Olá a todos. Sou uma criança transgênero, o que significa que tenho uma mente de menina dentro de um corpo de garoto. (...) Isso tem ficado mais e mais difícil pra mim nos últimos cinco anos", dizia o texto que comoveu funcionários e pais de alunos. "Uma das mães nos escreveu para contar que chorava cada vez que lia o texto. Ela teve uma conversa com o filho e disse para ele ser corajoso e ficar ao lado de Isabelle se as coisas complicassem", relatou o diretor da escola, David Pelosi.

Os estudantes começaram a aceitar Isabelle como menina, e as piadas maldosas cessaram. A carta causou um impacto profundo na pequena cidade a nordeste de Melbourne. "Estamos recebendo apoio de gente que não conhecemos. Fomos parados no supermercado por pessoas que leram a carta e disseram que poderíamos contar com eles", comove-se o pai. Com sua coragem, Isabelle está construindo um futuro melhor para ela e outras crianças na mesma condição. "Se você não for você mesmo, vai se sentir triste e miserável para o resto da vida", conclui.

Fonte: Portal Terra



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