10/12/2014

Relatório da Comissão da Verdade cita dois piauienses mortos na ditadura

O extenso relatório final da Comissão Nacional da Verdade, divulgado nesta quarta-feira (10), cita dois piauienses entre os mais de 400 mortos e desaparecidos políticos em razão do regime militar. Para os membros da comissão, Antônio de Araújo Veloso e Antônio Pádua Costa foram mortos em razão da Guerrilha do Araguaia, no Pará. Um deles nunca teve seu corpo encontrado.
Reprodução/CNV

Trecho do relatório da Comissão da Verdade que cita o caso do piauiense

O caso no qual a comissão conseguiu novas informações é o de Antônio Pádua Costa, o Piauí. Natural de Luís Correia, litoral do Estado, ele está entre os 62 desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, criada como tentativa de se iniciar uma revolução socialista a partir das regiões mais pobres do país.

Antônio de Pádua estudou Astronomia/Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Militante do movimento estudantil, chegou a ser preso em 1968 durante o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP). Desde então, foi perseguido e viveu na clandestinidade. No início dos anos 1970, se juntou aos militantes no sudeste do Pará e, com o apelido de "Piauí", chegou a comandar um dos destacamentos da guerrilha. 

A informação mais recente sobre "Piauí" foi obtida em 2013, em depoimento dado pelo sargento João Santa Cruz Sacramento para a Comissão Nacional da Verdade. Segundo ele, que foi convocado para atuar nas ações contra a guerrilha, Antônio de Pádua foi levado para a Casa Azul, em Marabá (PA), local clandestino de tortura onde hoje funciona uma sede do Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (DNIT). O sargento relatou que na época a ordem era levar os presos para o local ou matá-los. 

"É porque era obrigado a matar, vamos dizer assim, e eu tive essa sorte, que Deus me livrou disso. Outras equipes encontraram, matavam, entendeu? Quando se prendiam, a gente entregava lá na Casa Azul, quando era preso", disse o sargento no depoimento. 

Perguntado sobre qual o critério para prender e matar, ele citou o piauiense. "Olha, para dizer a verdade, doutora, é o seguinte: eu não sabia mesmo, porque quando a gente entregava o preso ou o corpo lá na Casa Azul, ninguém tinha mais acesso e ninguém sabia o que acontecia. [...] É como eu falei há pouco, os que eram capturados vivos eram entregues na Casa Azul, como eu já falei há pouco, aí de lá ninguém sabia mais o que eles faziam com o cara. Foi o caso do Piauí, que ele andou comigo, não é? Depois vieram apanhar ele na Bacaba de helicóptero, levaram lá para a Casa Azul e de lá não se soube mais. Como eu repito novamente, quando se perguntava pelo fulano eles diziam: “Não, mandaram para Brasília”. A resposta que a gente obtinha era essa. [...] É o seguinte, quando eles diziam que “mandaram para Brasília” era que estava eliminado o cara."

Arquivo/CNV

Registro da Casa Azul, para onde o piauiense foi levado de helicóptero, segundo depoimento de sargento

O relatório da comissão não precisa se o desaparecimento de Antônio de Pádua ocorreu no dia 14 de janeiro ou 5 de março de 1974, mas aponta o local do sumiço do piauiense como a base militar da Bacaba, no Pará. Um documento cita que ele e outros dois companheiros foram perseguidos por militares enquanto colhiam mandiocas no início daquele ano. Já a Marinha registrou em 1993 que o piauiense morreu na segunda data.




A Comissão da Verdade fez o registro do caso, lembrando que o Brasil já foi condenado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) a investigar os fatos, julgar e punir os responsáveis (se possível), além de localizar as vítimas. "Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso de Antônio de Pádua Costa, retificação da certidão de óbito, identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos, conforme sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos", diz o documento. 
Depoimentos colhidos em 2001 pelo Ministério Público Federal e listados no relatório apontam que o guerrilheiro piauiense foi forçado a andar pela mata como guia do Exército, mas só teria mostrado locais vazios. 
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Relatório da Comissão da Verde foi entregue nesta quarta-feira para a presidente Dilma Rousseff

Outro piauiense
O relatório entregue nesta quarta-feira para a presidente Dilma Rousseff é resultado de dois anos e sete meses de trabalho da comissão, instalada para esclarecer violações aos direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988, período que compreende as duas últimas constituições democráticas do Brasil. 

O documento ainda aponta outro piauiense entre os mortos pela ditadura, mas o caso de Antônio de Araújo Veloso é diferente. Natural de Bertolínia, o lavrador conhecido como "Sitônio" era casado e pai de sete filhos. Ele morava em São Domingos do Araguaia (PA) quando conheceu e até abrigou alguns guerrilheiros antes das Forças Armadas se instalarem na região, em 1972.

Sitônio foi preso e também torturado, mas seu atestado de óbito apontava morte por causa natural sem assistência médica. Sua família, no entanto, contestou. A morte do lavrador quatro anos após sua prisão teria sido consequência dos problemas de saúde e psicológicos obtidos no cárcere.
Um relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidoss Políticos, criada em 1996 e citada no documento da comissão da verdade, narra que Sitonho "além de ter sido espancado violentamente e ter ficado dias sem água e comida, ele foi colocado com os pés sobre latas abertas que cortavam seus pés toda vez que se movia. Esse tratamento teria lhe ocasionado diversas sequelas, impossibilitando-o de trabalhar e sustentar sua família". 

Não lembrados
A lista da Comissão da Verdade deixou de lado outros dois piauienses já conhecidos por serem vítimas do regime militar. Um deles é Simão Pereira da Silva. Preso em 1973 em São João do Araguaia pelo Exército, sofreu torturas e espancamentos. Morreu em 1979, em Goiânia, sem conseguir se recuperar das sequelas que havia contraído. Ele, "Sitônio" e "Piauí" foram homenageados em 2010 com um memorial no Museu do Piauí.  

O outro caso é o do teresinense José Sebastião Rios de Moura, conhecido por ter participado do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. De volta do exílio em 1983, ele foi morto misteriosamente em Salvador no ano de 1983. O crime jamais foi elucidado. O caso foi resgatado em maio de 2013 pela Revista Cidade Verde.

Fábio Lima
fabiolima@cidadeverde.com

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