23/06/2015

Prostituta diz que cortou motorista em 20 partes para vingar tortura sexual

Marlene Gomes fala pela 1ª vez sobre crime de 2014. Ela e comparsas espalharam corpo e cabeça em Higienópolis e Praça da Sé. Veja o vídeo da entrevista

Foto: G1
Um ano após ter sido presa preventivamente por matar e esquartejar em 20 partes o corpo de um cliente, espalhando os pedaços dele em São Paulo com a ajuda de duas amigas, a prostituta Marlene Gomes, de 57 anos, rompeu o silêncio.
Ela alegou que cometeu os crimes em março de 2014 para se defender das agressões, torturas sexuais e ameaças de morte que vinha sofrendo durante quatro anos de programas e relacionamento com o motorista Alvaro Pedroso, de 55 anos. Os dois também eram amantes (veja o vídeo acima).
O caso ganhou notoriedade ano passado depois que sacos e carrinhos com partes do corpo da vítima foram encontrados em ruas do entorno do Cemitério da Consolação, em Higienópolis, e na Praça da Sé, na região Central de São Paulo.
"Foi uma fatalidade que aconteceu, uma coisa que não foi premeditada. Nem em um minuto na vida eu pensei em matar, nem nada”, disse Marlene ao ser questionada sobre o que gostaria de dizer aos parentes do motorista.



No encontro que teve com a equipe de reportagem na Penitenciária Feminina de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, Marlene, que é conhecida por "Mole", contou que jamais planejou assassinar Alvaro. Mas que, segundo ela, entre a noite do dia 22 e a madrugada do dia 23 de março do ano passado, após se embriagarem, o motorista a agrediu mais uma vez após uma transa num prostíbulo na Rua dos Andradas, Centro da capital.

"Ele me deu uma porrada, eu caí, machuquei o braço bastante. Foi aonde eu empurrei ele com tudo", disse Marlene, que só aceitou falar desde que seu rosto não fosse mostrado na conversa. A prostituta afirmou que queria se defender de Alvaro, mas ele caiu, bateu o rosto no vaso sanitário do banheiro e perdeu a consciência. "Não foi nada premeditado".

Alvaro Pedroso, vítima do crime (Foto: Reprodução)

Tortura e agressões
Em seguida, Marlene disse que no mesmo instante lembrou de todas as humilhações e torturas que, segundo ela, ele a fez passar desde 2010, sendo obrigada a fazer sexo sadomasoquista, com vibradores, parafilia e surras.

“(Além de) vibradores, ele levava faca, ele levava gelo, ele levava uva, ele levava bombom, ele deitava eu no chão, ele me pisava nos meus braços”, disse a prostituta. “Ah, eu acho que ele era doente, ele era um maníaco, porque ele fazia um sexo que não existia na vida. Ele pegava gelo dentro do hotel pra botar dentro do meu sexo.”

Ela falou que ganhava R$ 70 pelos programas, mas que se recusasse a fazê-los ou denunciasse as agressões à polícia, o motorista tinha dito que mataria ela, a sua filha e o genro. “Ele falou que ele era meu marido, que a gente nunca ia se separar, que ele tinha conseguido encontrar a mulher da vida dele, já que a esposa dele não fazia sexo com ele, que ela não servia para nada”, disse Marlene.

“Ele tinha um revólver. Ele tinha comprado um revólver. Ele falou que se um dia eu deixasse dele, era para me matar”, afirmou a prostituta. "Porque eu acho que aquela hora que você viu que tinha chance de se livrar de uma pessoa que te torturou, que te maltratou, que te fez de um lixo, de um cachorro, quatro anos... É a chance que você, que ele tava caído pra você fazer isso.”

Martelo e faca

Cabeça é achada dentro de saco na Praça da Sé, em São Paulo (Foto: Adriano Lima/Agência O Dia / Estadão Conteúdo)

Segundo Marlene, essa chance a levou a cozinha, onde pegou um martelo e passou a golpear a cabeça do motorista, que estava caído. A prostituta estava movida por vingança disposta a por fim ao sofrimento dela. “[Alvaro] tava gemendo... Eu na mesma [SIC] instante, eu fui, peguei um martelo mesmo, entendeu? Naquele momento de reflexão, peguei um martelo e dei mais uma pancada na cabeça dele.”

De acordo com ela, a faca que Alvaro levava na cintura seviu para esquartejá-lo. “Uma faca dele. Eu ia só... Só picando, mas picando mesmo, picando. Quanto ao pênis dele, que perguntaram aonde é que eu botei? No lixo, a mesma coisa. Do mesmo jeito que joguei os dedos, entendeu? Que eu joguei a cabeça. Foi tudo no lixo”, afirmou a acusada.

Segundo o laudo necroscópico do Instituto Médico Legal (IML) da Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC), Alvaro morreu em decorrência de traumatismo craniano causado pelas pancadas que recebeu na cabeça. Um martelo com sangue foi apreendido. O documento mostra que o esquartejamento ocorreu após a morte do motorista. Para a perícia foi usada uma serra, mas Marlene contestou. "Foi uma faca mesmo."

Ela disse que levou seis horas para cortar o cadáver. “Aí eu fui cortando os dedos dele, aí eu peguei com tanta raiva do que ele fazia com a boca, que ele falava tudo pra mim, entendeu? Peguei, segurei no peito dele e comecei a cortar pescoço, cortar mesmo”, lembrou Marlene. “Mas eu cortava com tanta raiva, como se eu tivesse matando ele vivo, é como que ele tivesse me torturando como ele me torturava.”

Peritos concluíram que o corpo do motorista foi segmentado da seguinte maneira: cabeça, tronco, pele, pênis, duas coxas, duas pernas, dois braços e dez dedos das mãos. “No primeiro minuto que eu matei, eu já me arrependi”, disse Marlene.

Ajuda das amigas

Se dizendo desesperada pelo que fez, a prostituta falou que decidiu pedir para Marcia Maria de Oliveira, a "Sheila", 33 anos, e Francisca Aurilene Correia da Silva, a "Thais", 35, a ajudarem a se livrar do corpo para que o prédio onde trabalhavam não tivesse problemas com a polícia. As três se conheciam há muitos anos porque trabalhavam no mesmo prédio. "Pedi pras meninas, pra duas amigas, né? Me ajudar só botar dentro do saco", disse Marlene. "Não queria saber onde ia jogar."

Marcia também aceitou falar com o G1 sem mostrar o rosto. Francisca não quis conversar com a reportagem (leia mais abaixo). O trio está detido na mesma prisão. "Não sou garota de programa. A Marlene e a Francisca são. Eu trabalhava vendendo as marmitex e as sobremesa do prédio”, disse Marcia, que também não quis mostrar o rosto na entrevista.

Marlene contou que escondeu a cabeça de Alvaro dentro de um saco que deixou perto de onde trabalhava. Outro saco com os restos mortais ela afirmou ter carregado de táxi para o Cemitério da Consolação, em Higienópolis, área nobre da região central da cidade. Marcia e Francisca foram com a amiga no mesmo veículo, levando os demais sacos em carrinhos de feira. "No caso, eu só ajudei a carregar os carrinhos, né? Nada mais", disse Marcia, que sabia que os restos mortais de Alvaro estavam nos sacos. E ajudei a carregar porque eu não ia deixar ela sozinha.”


Polícia chegou a divulgar à imprensa foto das três mulheres acusadas de matar o motorista (Foto: Divulgação/Polícia Civil)

Partes espalhadas
O objetivo do trio era espalhar as partes abandonando os sacos no entorno do cemitério. No dia 23 de março, alguns restos mortais foram encontrados no bairro. Na esquina das ruas Sabará com a Sergipe pedestres acharam um saco plástico com pernas e braços sem as dez falanges, que haviam sido extirpadas. Na Rua Coronel José Eusébio foi encontrado tronco sem pele e sem pênis. Na Rua da Consolação estavam as coxas.

Em 27 de março a cabeça foi achada na Praça da Sé. Marlene acha que um catador de lixo encontrou o saco onde ela estava e a levou para lá. Filmagens de câmeras de segurança gravaram um homem levando um carrinho de compras perto do local. "Ninguém mais participou. Eu matei e esquartejei sozinha, e as duas meninas me ajudaram a espalhar o corpo", disse Marlene, que também foi flagrada em imagens com Marcia e Francisca, empurrando os carrinhos com os sacos na Consolação.

A versão acima foi também a que as três deram para a perícia durante a reprodução simulada dos crimes. O G1 teve acesso as fotos da reconstituição e mostra algumas nesta matéria. “Nem um minuto eu pensei em me entregar porque foi assim. Eu pensei: se eles vão ver minha imagem, eu não fugi do local”, disse Marlene sobre a foto que a Polícia Civil divulgou dela e das suas amigas à imprensa como procuradas.

Sangue
“No domingo eu voltei pro apartamento, limpei o apartamento todo, deixei dentro do saco de lixo amarrada as partes que faltou. Bem amarrado pra não feder”, disse Marlene. “Tomei banho porque eu fiquei toda suja de sangue.”

As três mulheres são rés no processo no qual estão sendo acusadas pelo Ministério Público (MP) de homicídio triplamente qualificado por motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. Elas também respondem por fraude processual enquanto aguardam o julgamento. Serão julgadas por um júri popular, ainda sem data marcada para ocorrer. Se condenadas, cada uma pode receber uma pena de 30 anos de prisão.

“A todo momento eu queria me entregar, mas não me entreguei”, disse Marcia, que avalia que tem de ser punida pelo que fez. “É, tem que ser punida. É um crime, né? Eu ajudei a carregar e esconder o corpo. É um crime.”

Fotos da reconstituição do rosto do corpo esquartejado (à esq.) em comparação com a do motorista (Foto: Reprodução / TV Globo)

Família do motorista
Alvaro era casado e pai de dois filhos. Procurada pelo G1 para comentar o assunto, a mulher do motorista, Maria Eli do Nascimento Pedroso, afirmou que a vítima não era violenta e que o crime foi premeditado. Disse ainda que sabia e aceitava o fato de o motorista ter a prostituta como amante.

“Meu marido tinha momentos de nervoso, mas nada que justificasse o que elas fizeram com ele”, disse a viúva, que sobrevive com o dinheiro da pensão por morte do marido. “Não merecia morrer daquela forma.”

Ministério Público
Segundo a Promotoria, Marlene premeditou o crime. De acordo com a acusação, Alvaro queria terminar o relacionamento com a prostituta e parar de sustentá-la financeiramente. Na denúncia, o promotor Tomás Busnardo Ramadan escreveu que isso incomodou a garota de programa, que não aceitava ficar sem o dinheiro do motorista, chamado por ela de Boticário pelo fato de presenteá-la com perfumes. Então, para se vingar decidiu matá-lo.

De acordo com o MP, Marlene combinou o crime com Marcia e Francisca. Atraiu Alvaro para o prédio onde trabalhava, o embriagou e depois as três golpearam a cabeça do motorista com um machado. Ouvido posteriormente pela Polícia Civil, o marido de Marcia, que é pedreiro, disse ter sentido a falta de uma machadinha. Ele também se mostrou surpreso ao saber que a mulher trabalhava num prostíbulo. 

Para a acusação, as três mulheres participaram do assassinato, esquartejamento e ocultação do corpo da vítima, inclusive arrancando os dedos para dificultar a identificação pelas digitais. A Promotoria informa que elas teriam usado uma serra para cortar o cadáver.

Prisões
Duas das três acusadas de participação do crime falaram ao G1 (Foto: Kleber Thomaz/G1)

Foi a partir da informação dos familiares de Alvaro, de que ele se relacionava com uma prostituta, que o Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) chegou a Marlene, depois Marcia e Francisca. Elas foram presas entre os dias 7 e 27 de junho do ano passado.

“Não sou criminosa. Sou simplesmente, como falam: uma garota de programa, que simplesmente foi vítima de mais um homem. Ninguém sabe o que se passava comigo, ninguém sabe que eu era torturada”, declarou Marlene, que disse qual seu desejo quando deixar a prisão. “Sair daqui e nunca mais ser garota de programa.”

“Os próximos passos da defesa será aguardar então a data de julgamento pelo tribunal do júri", disse o advogado das três acusadas, Aryldo de Oliveira de Paula. "Quanto a Marcia e a Francisca, elas não concorreram ou praticaram esse homicídio. Quem praticou foi somente Marlene.”

A defesa pretende pedir a absolvição de Marlene à Justiça por entender que ela cometeu o crime sob violenta emoção. "Não se poderia exigir outra conduta dela se não essa em razão das fortes ameaças que ela vinha sofrendo. Qual é o motivo do crime? Segundo a acusação, seria por ganância. Segundo a defesa, seria em razão das inúmeras e insuportáveis agressões sofridas pela vítima.”

Veja o vídeo da entrevista


Kleber Tomaz
Do G1 São Paulo

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