20/08/2015

SEM VELÓRIO, vítimas são enterradas no quintal de casa

CHACINA EM ALEGRETE DO PIAUÍ, 180 ouviu o relato emocionado de familiar das vitimas


Na frente da casa verde com três portas, estava sentado o senhor Chico Domingos em uma cadeira de plástico. O olhar é vazio e o boné tenta esconder sua emoção. Se já é difícil perder alguém próximo de forma violenta, imagina perder seis familiares, incluindo o filho. É indescritível. O idoso é irmão de Cícero Domingos de Carvalho, assassinado na sua casa na noite desta terça-feira (18/08), no município de Alegrete do Piauí. A chacina também vitimou Francisca Luiza de, Silvia Francisca de Carvalho, Maria do Socorro Carvalho, Sildo de Carvalho e o filho do senhor Chico Domingos, Bartolomeu Gomes.

Cheguei a sua residência por volta de 7h desta quinta-feira (20/08). Me recebeu bem, pediu que eu sentasse e ofereceu um café. Apesar dos seus últimos dias terem sido muito difíceis, a hospitalidade do piauiense permanecia viva naquele homem. Como repórter, é complicado fazer questionamentos nesses momentos. Mas não precisei falar nada, ele abriu o coração e contou como foi a madrugada, onde teve que participar do enterro das seis vítimas, nos fundos da sua casa, que fica próximo a residência onde houve a chacina.

Aos 65 anos, ele afirma nunca ter visto tamanha atrocidade. Todo o procedimento do enterro aconteceu na propriedade do seu Chico Domingos, e o enterro foi em um pequeno cemitério da família que fica no meio de uma roça, nos fundos da sua casa, no povoado Boa Vista, onde reside desde que nasceu.


NÃO TEVE VELÓRIO
“Os corpos foram chegando e como estavam muito inchados, resolvemos enterrar logo. Vieram algumas pessoas da família, os vizinhos, todo mundo triste, né. Ninguém espera uma maldade assim”, diz ele já sentado na calçada. A perícia de Picos liberou os corpos durante a noite desta quarta-feira após a realização dos exames. Os corpos foram preparados pela Funerária Plasfran, em Picos, a mesma que levou os corpos ao povoado Boa Vista.

O ENTERRO
Ele diz que os dois primeiros corpos que chegaram foi o de Sildo e Maria, a ‘Galega’. Este primeiro era um filho adotivo da família. Já a jovem é citada como principal elemento da chacina. Há suspeitas de que ela teria participado de outros crimes. Os corpos chegaram por volta de 1h e foram enterrados em seguida.

Por volta de 3h chegaram os corpos de Cícero, Francisca, o casal de idosos, e Silvia, filha do casal. Os dois foram enterrados lado a lado. Silvia foi enterrada do lado da filha ‘Galega’.

Às 5h chegou o corpo do filho do seu Chico Domingos, Bartolomeu, que não foi enterrado naquele cemitério. “Quando ele era vivo, me disse que se um dia morresse, queria se enterrado no mesmo cemitério onde a mulher dele, que morreu, foi enterrada. Ele era viúvo, pediu para ficar lá”, diz.

‘MEU FILHO LEVOU CINCO TIROS, ELE IA SE CASAR’
“Os médicos lá fizeram a ‘cirurgia’ e tiraram cinco balas de dentro dele. Meu filho levou cinco tiros. É muita crueldade. Ele tinha 33 anos e dois filhos, um do primeiro casamento, e outro da esposa dele que morreu, agora ele morreu também. Meu filho era trabalhador, tinha a roça dele, a moto dele. Me falou que em janeiro de 2016 ia se casar, agora não vai mais”, revelou com emoção.

‘EU OUVI 50 TIROS’
Perguntei ao seu Chico Domingos se na noite do crime ele havia visto ou ouvido alguma coisa, ele diz que sim. “Era mais ou menos sete horas da noite. Eu estava aqui na calçada e daqui dá para ver um pouco a casa deles. Vi um carro chegado, que deixou o farol acesso. Ouvi alguém gritando ‘ai meu Deus’, só não sei qual era das mulheres. Depois disso comecei a ouvir os tiros, parecia aqueles foguetes de artifício, mas eu sabia que não era. Fiquei nervoso, tenho problema de coração e comecei a passar mal. Tomei um remédio e pedi para meu filho ir lá de moto ver o que havia acontecido. Ele ficou com medo, mas foi, quando ele ia chegando, o carro foi embora”, relata.

‘SE TIVER ALGUÉM VIVO GRITA’
O outro filho do seu Chico Domingos foi o primeiro que chegou após o crime e ao abrir a porta viu os corpos estendidos na sala, o sangue das vítimas, incluindo o de seu irmão, lavava o chão. “Ele viu, mas nem entrou, porque a gente sabe que não pode mexer nessas coisas. Mas ele ainda disse: ‘se tiver alguém vivo grita’. Mas já estavam todos mortos, não tinha nada para fazer. Quando soube não sabia o que fazer. Ninguém imagina, né”, confessa.

‘NÃO VOU SAIR DAQUI‘
“Sabemos que quem fez isso foi gente ruim. Aqui é todo mundo parente, mas tem muita maldade. O povo queima roça dos outros, já envenenaram meus animais, uma netinha minha foi morta envenenada. Eu e a minha esposa ainda ficamos com ela no hospital de Picos, era para nós ter sido envenenados também, mas foi a criança que morreu. O povo diz para eu sair daqui, mas não posso. Nasci aqui e só tenho isso, viver da minha roça”, afirma.


O PEQUENO CEMITÉRIO DA FAMÍLIA
Seu Chico Domingos me chamou para conhecer o cemitério, entramos no carro e dirigi cerca de um quilômetro por uma estradinha estreita com muito mato e pedra. Chegamos a uma roça, e no meio dela o pequeno cemitério rodeado por uma cerca de arame. Me mostrou onde os corpos estavam enterrados. Os cinco montinhos de terra identificavam indicava cada sepultura. “Aqui fica enterrada minha família. Está minha mãe, minha netinha”, ele apontava.


A FALTA DO IRMÃO
Seu Chico domingos explicou que eram quatro irmãos. Cícero era o mais velho e mais próximo. “Vai fazer muita falta. A gente sempre trocava prosa. Ele ia lá para casa e ficávamos conversando na calçada. Ele tinha o mesmo problema de coração que eu, os dois aposentados. Viemos de uma família que tem problemas de coração. Mas nunca imaginava que ele morreria assim. A mulher dele uma pessoa muito boa”, diz.

FAMÍLIA NÃO SABIA QUE SUSPEITOS HAVIAM SIDO PRESOS
Isolados num povoado que não há sinal de telefonia móvel, e envolvidos com os últimos acontecimentos, não tiveram acesso às últimas informações. Quando voltamos para a casa, contei a ele que cinco homens foram presos, suspeitos de participação no crime. “Foi mesmo? Estava sabendo não. Espero que seja feita justiça, que eles paguem pelo que fizeram. Se eles estavam com um problema com uma pessoa, que resolvessem com ela. Não matar uma família toda, pessoas que não tinha nada a ver”, declara.

A DOR DE QUEM FICA
Me despedi dos seu Chico Domingos, agradeci por ter me recebido. Ele também a agradeceu a minha visita e disse que tudo ficará bem. “Os mortos já foram enterrados, mas quem está vivo, está sentindo demais”, disse ele antes que eu fosse embora.


Por Jhone Sousa
Direto de Alegrete do Piauí

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