Há alguns anos tenho convivido com o drama de pessoas amigas que passaram ou passam pela tragédia de terem diagnosticado o câncer em si mesmo ou em familiares. Doença cruel e ainda sem cura. Debilita e consome o corpo humano com violência. Traz sofrimento ao paciente, familiares e amigos.
Nesse período observei alguns aspectos: o aumento do número de casos; o estrangulamento do sistema público de saúde a partir do erro estratégico da concentração do tratamento em Teresina; a mercantilização da medicina. Soma-se a isso a tragédia complementar que atinge principalmente aos mais pobres: a demora em diagnosticar a doença ou de conseguir encaminhar o seu tratamento.
Atualmente, o Piauí possui apenas um serviço credenciado junto ao SUS (Sistema Único de Saúde) para realizar tratamento de câncer em todo o estado, que também atende pessoas de estados vizinhos como o Maranhão e o Pará. É o Hospital São Marcos, em Teresina, que abriga a Associação Piauiense de Combate ao Câncer, fundada em 12 de novembro de 1953.
Apesar dos avanços científicos empregados na prevenção, no diagnóstico e no tratamento, o câncer ainda é uma importante causa de morte em Parnaíba e no Piauí. A história desta doença faz com que o imaginário individual e coletivo ainda o vincule à culpa, imundície, destruição em vida e morte. O tratamento é longo e difícil de ser tolerado pelos pacientes, levando-os a mudanças significativas na sua forma de estar no mundo e de estar com os outros. Passar por uma doença grave como esta pode ser uma das experiências mais irruptivas que uma pessoa pode vivenciar.
Esta semana ao visitar uma família deparei-me com uma cena deprimente: na sala, em uma rede estava deitado um amigo que há praticamente 60 dias tivera recebido o diagnóstico da doença degenerativa. De tão magro não o reconheci. Seus familiares, nestes últimos dois meses, já percorreram os hospitais de Parnaíba e Teresina, experimentando o sofrimento que o canceroso enfrenta em busca de tratamento.
Com os olhos em lágrimas este amigo narrava o drama do descaso e da humilhação que os pobres sofrem nos hospitais da rede pública. Em estágio avançado, sem se alimentar direito, já havia perdido 15 kg. Queixando-se de muitas dores, aquele pobre homem parecia pedir o conforto do descanso eterno.
Este fato me fez parar para refletir mais sobre a vida. Às vezes reclamamos de pequenos problemas sem nos darmos conta da real dimensão do que seja um “problema”. Perguntas me invadiram severamente: Cadê o poder público? Porque a medicina é tão mercantilizada? Qual o verdadeiro sentido da vida?
Como em Parnaíba não temos um centro especializado no tratamento do câncer, a saída é buscar o Tratamento Fora de Domicílio – TFD. Criado através da Portaria nº 55 da Secretaria de Assistência à Saúde (Ministério da Saúde), é um instrumento legal que visa garantir, através do SUS, assistência médico-hospitalar cujo procedimento seja considerado de alta e média complexidade eletiva ou tratamento médico a pacientes portadores de doenças não tratáveis no município de origem por falta de condições técnicas.
A Prefeitura de Parnaíba desde 2012 propaga a instalação de um Centro de Referência de Alta Complexidade em Oncologia, passados três anos, sequer conseguem manter o TFD operando em condições de atendimento à demanda que existe na cidade. Promessa que vai para o “novo” Plano de Governo de 2016.
A tristeza natural que se abate sobre a pessoa após o diagnóstico do câncer e as dificuldades enfrentadas no tratamento culminam com outro problema sabotador do tratamento: a depressão. Especialistas alertam que é preciso monitorar de perto o estado mental dos pacientes, pois os recém-diagnosticados estão mais vulneráveis à depressão clínica e é preciso que esse quadro seja diagnosticado o quanto antes. Um estudo recente, feito pela Universidade de Pittsburgh e apresentado em um Congresso Americano de Oncologia revelou que a chance de sobrevida de quem não tinha depressão foi muito maior. O paciente sem depressão tem uma resposta imunológica melhor.
Estar doente e sem as condições mínimas de tratar o câncer podem acelerar a disseminação das células cancerígenas, levando o paciente a um quadro de metástase. A força interior, compreendida pela vontade de continuar vivendo e a fé de que o paciente vai conseguir superar a doença; aliada a um diagnóstico precoce, um tratamento especializado são ingredientes que ajudam a vencer o câncer.
Mas é preciso ter a garantia mínima de acesso ao tratamento de saúde. O Sistema Municipal precisa ser mais ágil e humanizado. Pessoas estão morrendo à espera humilhante de uma vaga numa van que corre diariamente para Teresina, mas que não atende a demanda. É preciso redimensionar tal necessidade. Mais que isso, é preciso cuidar com zelo e atenção do fragilizado paciente com câncer e da sua família.
A questão da saúde na Parnaíba certamente é uma das mais complexas. Definida pela Constituição como um direito de todos e dever do Estado, como tantas outras obrigações do poder público tem sido historicamente negligenciada. Uma política pública se legitima em razão do entendimento compartilhado de seu valor como inalienável direito humano e social, de sua utilidade pública e garantia de justiça social. Será tão difícil nossos gestores compreenderem o espírito público ao qual deveriam estar investidos?!
(*) Fernando Gomes, sociólogo, eleitor, cidadão e contribuinte parnaibano.