Exames confirmaram abuso e descartaram ingestão de veneno. 'Não sei quem fez isso com minha filha', diz mãe sobre resultado de laudo.
Caso está sendo investigado pela DPCA Piauí (Foto: G1)
O conselheiro tutelar Djan Moreira confirmou para o G1 nesta segunda-feira (2) que a criança que morreu com suspeita de intoxicação foi abusada sexualmente e estava infectada com vírus HPV (human papilomavirus). “Os resultados desses exames já estão em posse da Polícia Civil e eles confirmam que a criança foi abusada e estava com HPV na garganta”, disse complementando ainda que o líquido ingerido pela criança não continha veneno.
Djan Moreira, conselheiro tutelar, está acompanhando o caso (Foto: Catarina Costa/G1)
No dia 28 de abril morreu a criança de 10 anos que estava internada no Hospital de Urgência de Teresina (HUT) há 15 dias. Ela foi hospitalizada com suspeita de intoxicação e tortura que teria sido praticada em uma suposta cerimônia religiosa. Um dia antes de vir a óbito, profissionais do HUT suspeitaram do abuso e pediram uma perícia para Serviço de Atenção às Mulheres Vítimas de Violência Sexual (Samvis).
Os pais da menina prestaram depoimento nesta segunda-feira na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). “Não sei quem fez isso com a minha filha e só posso falar mais com autorização do meu advogado”, se limitou a dizer a mãe da criança ao ser perguntada sobre quem poderia ter praticado o abuso contra sua filha.
A titular do caso, delegada Tatiana Trigueiro, disse que não vai se pronunciar até que as investigações tenham terminado. Para o conselheiro tutelar Djan Moreira, os pais da vítima devem ser responsabilizados pelo o que aconteceu a filha. “O Conselho defende que a mãe e o pai sejam presos, porque a menina era menor de idade e eles eram os responsáveis por ela. Ela foi torturada, ingeriu um líquido estranho e foi abusada sem que eles saibam explicar como tudo isso aconteceu”, afirmou.
O conselheiro disse também que o laudo, que examinou um líquido que teria sido ingerido pela menina dias antes da internação, descarta a presença de veneno. Segundo ele, outros exames estão sendo realizados com a bebida para determinar a composição exata do líquido.
Delegado Geral Riedel falou sobre investigação (Foto: Catarina Costa/G1 PI)
Autópsia
O delegado geral da Polícia Civil, Riedel Batista confirmou que foi realizada uma autópsia no corpo da criança e que só vai se pronunciar após a análise da perícia . “Com os laudos da autópsia, de um exame de sangue que vai determinar ou não a presença de veneno e do líquido que a menina ingeriu, com isso, vamos saber se ela morreu por ingestão do líquido ou alguma doença preexistente”, disse ele.
Investigação
Para a polícia, os pais da vítima relataram que frequentavam um salão de umbanda em Timon, no Maranhão, para tratar a asma da filha e pagariam R$ 3 mil pelo tratamento. O Conselho Tutelar de Teresina, afirmou ao G1 que a mãe deu pelo menos três versões aos conselheiros sobre como conseguiu o líquido ingerido pela garota após ritual. Uma delas foi a de que ela mesma teria produzido a mistura à base de ervas e açúcar.
A promotora Vera Lúcia, da Vara da Infância e Juventude de Teresina, contou ao G1 ter solicitado instauração de inquérito para apurar os maus-tratos e outros tipos de violência na menina.
"A mãe será responsabilizada pela indução da criança até a morte ao tomar esta bebida, sem nenhum tipo de recomendação médica. Por isso, ela deve responder por tentativa de homicídio qualificado, por motivo fútil, que tem pena de 12 a 30 anos de reclusão. Além disso, temos a denúncia de maus-tratos com pena de dois meses a um ano", comentou Vera Lúcia.
O delegado geral Riedel Batista reiterou que o caso da menina de 10 anos continuará sendo acompanhado pela DPCA e os demais registros de tortura que tenham sido praticados no salão de umbanda em Timon serão investigados pela Polícia Civil do Maranhão.
Mais denúncias
A mãe de uma criança de Teresina submetida ao ritual de purificação em um salão de umbanda que fica a 20 km da cidade de Timon, no Maranhão, revelou ter sido convencida de que o filho precisava passar por um tratamento espiritual para não “virar criminoso”. O Juizado da 1° Vara da Infância e Juventude de Teresina recebeu do Conselho Tutelar a denúncia de que mais de 20 crianças teriam sido submetidas a torturas nesses rituais.
“Eu sabia que lá funcionava um terreiro, mas não sabia o que realmente acontecia por lá. A mulher de lá conversou com a avó dele dizendo que ele precisava fazer um serviço. Ela (dona do salão) disse que ele no futuro iria virar um marginal, um criminoso, e qual é a mãe que não tem medo né?”, disse a mãe do garoto, que terá a identidade preservada.
O menino, que tem 10 anos, também descreveu o ritual ao qual foi submetido. “Passamos sete dias. Era seis além de mim. Quando chegamos lá ele (pessoa do salão) passou alguma coisa na gente, mandou a gente banhar e se vestir de roupa branca. A gente comia inhame, arroz, feijão e carne e tomamos muito chá também. A mulher falava que era para a gente fazer as coisas tudo direitinho, porque se não a gente ficava mal”, falou.
Juíza Maria Luiza de Moura Melo Freitas (Foto: Catarina Costa/G1)
Vara da Infâcia
A juíza da 1° Vara da Infância e Juventude de Teresina, Maria Luiza de Moura Melo, disse que autorizou o Conselho Tutelar a recolher qualquer criança desacompanhada que apareça com as mesmas características dessa vítima (cabelo raspado e cicatrizes em forma de cruz).
"Elas serão levadas para um abrigo, podendo os pais ter a suspensão da guarda ou até mesmo a destituição do poder familiar. O Conselho tem 24 horas para informar esses casos”, falou a juíza.
Na avaliação da juíza Maria Luiza, nesse caso, as crianças estão em situação de risco, sendo obrigadas a tomarem chás ou bebidas tóxicas, e cortadas com lâminas ou objetos pontiagudos. “Não acredito que isso seja religião, mas sim crime de tortura", declarou a juíza.
Filhas de dona de salão negam tortura
Em entrevista ao G1 na semana passada, duas filhas da proprietária do salão de umbanda, onde os pais levavam a menina, negaram que as pessoas que frequentam o local sejam torturadas. Sem quererem se identificar, as mulheres afirmaram que os cortes nos praticantes de umbanda são superficiais e feitos com o consentimento dos responsáveis.
“São pequenos cortes feitos no corpo, como se fossem uma raladura qualquer. A retirada de sangue do corpo da pessoa simboliza a vida. Do mesmo modo, as pessoas têm a cabeça raspada para simbolizar o renascimento, já que todos os seres nascem sem cabelos. Não praticamos tortura com ninguém, até mesmo porque quem deita santo [termo usado para quem passa pelo ritual] sabe o que está sendo feito, no caso da criança os responsáveis aceitam tudo”, relatou uma das mulheres.
Uma das filhas da proprietária do salão de umbanda afirmou que ela e seus filhos passaram pelos procedimentos várias vezes e nunca sentiram nada e negou o uso de bebidas nos rituais. De acordo com a mulher, o ritual acontece da seguinte forma: a pessoa doente fica recolhida no quarto durante sete dias, recebendo apenas orações.
“Nós temos algumas cicatrizes pelo corpo, mas quase imperceptíveis e nunca sentimos efeitos colaterais. Sempre passamos por isso quando sentimos algum problema de saúde ou de qualquer outra coisa. Além disso, não existe o uso de garrafada [mistura de ervas] para os praticantes de umbanda”, afirmou a mulher.
Sem deixar fazer o registro de foto ou vídeo, as mulheres mostraram algumas marcas pelo corpo e apresentaram os filhos com a cabeça raspada, informando que eles passaram pelos mesmos rituais. “Eu tenho marcas nos braços e no pescoço e meus filhos também. Eles também tiveram as cabeças raspadas. Isso para nós é normal, como qualquer outra religião”, disse uma das filhas.
Fonte: G1/PI