Uma bicicleta no canto da sala, a farda da Polícia Militar do Piauí guardada no quarto, lágrimas e dores no rosto e no coração de familiares do cabo da PM-PI, Samuel Borges, morto a tiros na frente do filho após uma briga por motivo fútil com um policial militar do Maranhão. Um mês após a perda, a mãe de Samuel, dona Isabel Borges, disse que não sabe mais "o que é dia ou noite". No dia do crime, ela havia preparado o almoço para o filho e diz que a "ausência" é a parte que mais dói.
"Meus dias são fazer uma coisa e outra para ver se me isolo das lembranças. Mas não tem como. Eu sempre fui uma mãe presente, de esperar os filhos chegarem em casa. No dia, tinha feito uma galinhada pra ele. Nessa angústia, a gente fica desolada. Não vai apenas um filho, acabou-se a família. Graças a Deus, ele tá com o Senhor, descansando. Mas nós que ficamos? Como vamos tentar administrar uma situação dessa? Nós perdemos toda a rotina", disse a mãe.
Samuel Borges era neto e irmão de policial militar; apaixonado pela farda, chamado carinhosamente de Samuca pelas tias, vocacionado para ajudar o próximo e com muitos sonhos, como o de ser médico, que foram abruptamente interrompidos. Assim como a rotina de toda a família do militar.
Samuel morava com o filho e a esposa a poucos metros da casa dos pais, uma estratégia para permanecer perto do pai e da mãe. Com a ida precoce, a residência onde o PM morava virou um lugar de lembranças. Muito emotiva, a esposa de Samuel, Jaysse Borges, disse que em um mês só conseguiu ir à casa apenas cinco vezes. No local paira o sentimento de tristeza que se reflete, entre outros, na farda de Samuel e também na bicicleta que representaram tantos momentos de alegria.
"Vir na nossa casa é muito difícil. A gente tinha tanta história, tantos planos. Nossa vida foi aqui. O Samuel era muito família. Nos conhecemos na igreja e acredito que foi um presente de Deus. A gente tinha uma vida normal e agora me vejo assim, com a nossa casa trancada. Ele era um excelente marido, bom pai, um ótimo profissional. O projeto que a gente tinha era terminar nossa casa. Não imaginei minha vida sem meu esposo. Tudo na casa lembra a alegria dele, as orações que ele fazia toda manhã", relembra aos prantos, Jaysse Borges, que era casada com Samuel há 12 anos e havia perdido a mãe em janeiro.
Entre as boas lembranças, a esposa recorda dos telefonemas e dos cafés da manhã ao lado de Samuel. Já a mãe dele relembra o dia que o filho a levou para a praia para passar o aniversário.
"Estamos nos readaptando. Não estou tendo condições de trabalhar. A gente tem oito dias de luto, mas não temos os dias para cuidar da família. As pessoas dizem que é bom a gente voltar ao trabalho para esquecer, mas quem esquece uma cena dessas, um neto sem o pai, uma nora que chora todo dia. Estamos tentando se levantar".
"MÃE, CADÊ MEU PAI?
Samuel foi morto na frente do filho de oito anos. Jaysse Borges conta que a criança, por várias vezes, pergunta pelo pai.
"O filho é muito ele. Gosta muito de bicicleta, nada como um peixe, gosta de comer fora, igual ao pai, e ele nos passa uma força. Depois que tudo aconteceu, nosso filho passou a ficar muito na dele. Ele sabe o que aconteceu, mas me pergunta cadê o pai e diz: mãe quero meu pai. Isso dói muito. O Samuel era muito presente na nossa vida", disse Jaysse Borges.
Após a tragédia, o filho de Jaysse e Samuel tem recebido acompanhamento psicológico. Para superar a ausência, familiares têm contado com a visita de amigos.
ESPOSA ESTAVA FALANDO AO TELEFONE COM SAMUEL QUANDO OCORREU O CRIME
A família conta que Samuel sempre foi muito ligado à familia. A mãe diz que, quando criança, era um menino hiperativo e na fase adulta continuava determinado. O amor pela Polícia Militar foi herdado do avô.
"Ele foi uma criança que não se aquietava, enquanto não conseguia o que queria. Sempre foi muito determinado. O meu pai e avô dele também foi PM e acho que herdeu esse amor do avô. Os dois foram enterrados na mesma sepultura. O Samuel cursou Letras, trancou Administração faltando apenas a monografia e cursou também Nutrição, porque dizia que era um curso da Saúde e o sonho dele era Medicina. Eu sempre dizia que o concurso da PM era o primeiro degrau da vida, mas teriam outros. Eu dizia que ele procurasse sair da polícia, mas ele amava o que fazia. Ele vivia polícia 24 horas e ajudava a todos, mesmo sem tá de serviço", disse dona Isabel.
Samuel era militar da Rone e foi selecionado para a Força Nacional, mas não cumpriu a missão por um motivo: saudades da família.
"Ele não ficou todo o tempo que tinha que ficar fora porque não queria ficar longe da família. Ele escolheu a família, ele sempre escolhia a gente", disse a esposa que foi a última pessoa a falar com Samuel antes da morte.
"Ele tava dizendo pra eu deixar a água e o suco do nosso filho na escola, pois tinha esquecido. Na hora eu só escutei: Tu é da onde? Não sei porque, deixei a ligação no viva voz e fiquei escutando, mas pensei que fosse só uma abordagem. Depois parou tudo", relembra a esposa.
Com muita dor e com a voz embargada, a mãe do PM relata como soube da perda do filho.
"Meu outro filho, que também é PM, chegou primeiro e fui depois. Quando chego, vejo aquela rua isolada. Eu queria ver meu filho. Perguntei o que tinha acontecido e uma pessoa disse que um policial tinha matado outro. Daí eu perguntei: quer dizer que mataram meu filho? Fiquei assim. E depois se acabou tudo. Foi muito doloroso ver uma pessoa que nasceu de mim, que eu sequer nunca bati, naquela situação e que não ia voltar mais. Eu perguntava pro meu outro filho que disse que o Samuel estava bem, com Jesus", relatou a mãe.
CADELINHA TAMBÉM SENTE A PERDA DO "PAI"
Além do amor pelos familiares e pela profissão, Samuel também era apaixonado pela Wendy, a cadelinha da família.
"Quando ela escuta o barulho do carro, ela se levanta, é como se estivesse procurando o Samuel. Meu esposo a pegava, deitava com ela. Ele me dizia que a Wendy era sua filhinha. À noite e pela manhã, os dois sempre corriam. Ele saía de moto e ela saía correndo atrás. Ela também chora e está sentindo muito", relembra a esposa.
MÃE DIZ QUE PERDOA ACUSADO, MAS PEDE JUSTIÇA
Antes de completar um mês do crime, a juíza Maria Zilnar Coutinho Leal, da 1ª Vara do Tribunal Popular do Júri de Teresina, aceitou a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) contra o policial militar do Maranhão, Francisco Ribeiro dos Santos Filho, autor dos disparos de arma de fogo que mataram Samuel.
Mesmo em meio a tanta tristeza, dona Isabel disse que perdoa o assassino do filho, mas pede Justiça.
"Pra Justiça de Deus, a gente perdoa. Perdoo ele de coração. Eu nunca tive sequer um ódio dele. Mas, creio que, se Deus capacitou o homem para legislar, ele tem que padecer. A gente perdoa, mas nada justifica o que ele fez, que ele tenha as consequências", disse a mãe.
LEGADO DE SAMUEL
Para toda a família, o maior legado de Samuel foi a bondade.
"A bondade e o amor dele ao próximo é o que vai ficar de mais forte na gente. Ele se doava demais ao próximo. Quantos vezes chegou a levar pessoas que não eram da família ao hospital, ajudava financeiramente quem precisava e alguns dos seus atos de generosidade só ficamos sabendo depois. Ele tinha um coração muito grande, era íntegro, justo, verdadeiro", relataram a mãe e a esposa do cabo Samuel Borges.
Fonte: Cidadeverde.com, Piauí
Fonte: Cidadeverde.com, Piauí
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